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Apenas a informação salva: um guia sobre o Jornalismo Ambiental

Por: Flávia Coimbra; Iana Amoras; Ana Beatriz Peres; Louise Dias; Camila Bastos; Iannique Gomes


Legenda: APA do Rio Curiaú. Foto: Louise Dias

O jornalismo ambiental não se restringe à fauna e à flora, além disso, é responsável por informar e conscientizar a população sobre questões ambientais, especialmente relacionadas aos impactos da atividade humana sobre o meio ambiente, sendo a principal ferramenta para criar debate e dar voz à população. Para Wilson Bueno, famoso pesquisador da USP, é possível dividir a base do jornalismo ambiental em três vertentes: função informativa, pedagógica e a política. Essa categorização permite compreender os diferentes campos de estudo que compõem a interdisciplinaridade do tema e como diferentes visões sobre um assunto geram também diferentes materiais jornalísticos.


Para Patrícia Kolling, doutora em Comunicação, docente no curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e integrante do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS), a proposta de jornalismo ambiental vai além da cobertura factual de desastres e acontecimentos ambientais. “O jornalismo ambiental é um jornalismo que olha as coisas de forma mais contextual e não sob perspectivas diferentes, ou seja, não só na perspectiva ambiental, social ou econômica, mas sim em um contexto integrado. São muitos os aspectos que o jornalismo ambiental precisa abordar”, ressalta.


No que diz respeito às fontes, se dividem em protagonistas (ecologistas, movimentos ecológicos, empresas responsáveis por crimes ambientais), autoridades (comunicação oficial de órgãos públicos, secretários, políticos), especialistas (engenheiros agrônomos, pesquisadores, biologistas, zoólogos) e a população. “Precisamos pensar no jornalismo ambiental como uma pluralidade de vozes. Não buscar somente fontes oficiais, que normalmente se busca no jornalismo porque são mais fáceis de serem acessadas ou porque estão no nosso caderninho de fontes, mas ouvir diferentes segmentos: ouvir os indígenas, o ribeirinho, o pescador, ouvir as pessoas que estão vivenciando aquele fato”, frisa Kolling.


Portanto, é necessário incluir o olhar da população que se encontra fora dos muros da academia, considerando o pluralismo e a diversidade de realidades e perspectivas.

O jornalismo ambiental, se alinhado às suas raízes com os povos das florestas, agricultores familiares e cidadãos “comuns” pode estar desempenhando o seu papel na mobilização social e no despertar da consciência ambiental. Chico Mendes nos ensina: “não há defesa da floresta sem os povos da floresta”. E para que essas vozes sejam destaques, a docente acredita na quebra de padrões, “para ouvirmos essas fontes cidadãs muitas vezes precisamos quebrar padrões jornalísticos, inclusive dentro da própria universidade, partindo dos professores. É necessário ter um equilíbrio entre esses dois aspectos”.


No Brasil, a especialização do jornalismo ambiental iniciou no final do século 20. Dois eventos marcam o início desse desenvolvimento, um em 1989, organizado pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), que propôs saídas para o segmento, e um evento em maio de 1992, realizado em Belo Horizonte, conhecido como Encontro Internacional de Imprensa, Meio Ambiente e Desenvolvimento (Green Press). Desde o princípio, o treinamento dos jornalistas acontecia com o intuito de que conexões ocultas fossem desvendadas, não se restringindo ao aprofundamento no estudo de temas ambientais, mas desenvolvendo um olhar diferenciado sobre o mundo e suas interações.


Como docente na UFMT, Patrícia enxerga mudanças na forma de lidar com o jornalismo ambiental nas universidades. “Acredito que nos últimos anos começou a surgir uma preocupação maior do grupo de professores, inicialmente, mas também uma demanda dos próprios estudantes em cobrir questões ambientais. É importante que essas disciplinas cresçam dentro das universidades e que tragam uma visão crítica desse segmento, despertando no estudante de jornalismo a vontade de pensar a questão ambiental de uma forma mais integrada. Trabalhar isso dentro da universidade vai formar jornalistas diferentes”.


É preciso compreender que a execução de um jornalismo ambiental bem elaborado e com diversas fontes por si só não é suficiente, pois precisa estar alinhado com parcerias e alianças na sociedade para que a informação construa sentidos que transformem e comuniquem a realidade.

Seguindo o conceito do jornalista uruguaio Victor Bacchetta, o jornalismo ambiental considera os efeitos da atividade humana desde a ciência e a tecnologia em particular sobre o planeta e a humanidade, devendo contribuir, portanto, para a difusão de temas complexos e para a análise de suas implicações políticas, sociais, culturais e éticas. Desse modo, pensar no meio ambiente, em que tudo está interligado e conectado, é a chave para um jornalista ambiental exercer um trabalho de qualidade. “O mais importante nesse segmento é quando a gente consegue enxergar a complexidade que é a questão ambiental e trabalhar ela em diferentes editorias. Olhar a partir de uma perspectiva de um saber ambiental, que vai além de uma ideia de racionalidade ambiental. É pensar no local integrado ao global. E isso as grandes mídias, os meios tradicionais de comunicação, às vezes, não conseguem fazer”, explica Kolling.


Outro ponto interessante é como a mídia alternativa tem sido protagonista em cobrir e compartilhar as pautas ambientais. “Veículos como o InfoAmazonia, Amazônia Real, Portal Sumaúma têm trabalhado essas pautas com profundidade e de forma crítica. Esses espaços que o jornalismo ambiental está ocupando são positivos e vem pautando a grande mídia”, aponta a docente. OGNS, movimentos sociais e indígenas estão organizados e articulados em termos de comunicação, levantando questões do movimento ambiental de forma efetiva e contextualizada. “A imprensa se modificou, os jornalistas mudaram sua forma de atuação e sentem a necessidade de ouvir todos os diferentes segmentos, todas as fontes cidadãs”, finaliza Kolling.


JORNALISMO AMBIENTAL NO AMAPÁ


Legenda: APA do Rio Curiaú. Foto: Louise Dias.

Transportando o debate para o Estado, a professora Laiza Mangas, da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), explica que há uma ausência de um jornalismo ambiental qualificado em Macapá, sendo refém de um jornalismo de tragédias. Para a professora, as tragédias acontecem, são noticiadas e depois são esquecidas, como é o caso das enchentes e morte de peixes ocasionadas pela abertura das comportas da Usina Hidrelétrica Ferreira Gomes Energia, ocorrido em 13 de novembro de 2015.


Como exemplo da falta de mídias que desempenham papel satisfatório na região, apenas a Agência Experimental em Comunicação (AGCOM) da UNIFAP foi citada em lista feita pela Infoamazonia, conhecida por ser um dos veículos de mídia alternativa mais importantes do país. Essa falta de pesquisa e divulgação vai além do descuido, sendo justificada pela influência empresarial e política que se beneficia de um espaço sem reflexão.


Para a professora, principalmente na Amazônia, a possibilidade de ampliar o debate são as mídias alternativas, pois fazem um papel muito importante na construção de uma visão decolonial do espaço, ofertando a oportunidade que mídias tradicionais não estão dispostas a oferecer. É necessário ir além, construindo a essência do jornalismo ambiental, que é sistemático. Esse processo carece de um olhar sobre todos os ângulos, combatendo a atual dinâmica jornalística que exige um imediatismo muito grande, uma vez que as produções foram tomadas pela urgência de uma apuração acelerada. A informação, neste caso, ganha caráter muito mais complexo pois deve também instigar, provocar, retratar temas delicados e diversos, pois o jornalismo ambiental é tudo: saúde, educação, infraestrutura, todas as áreas trabalhando para uma questão que tem impacto na vida como um todo.


A jornalista amapaense Alessandra Lameira, especialista em educação ambiental e desenvolvimento sustentável, classifica o jornalismo ambiental como um despertar ecológico que serve para a divulgação responsável da natureza, do meio ambiente, da sociobiodiversidade e dos impactos que o espaço sofre com a atividade humana. Para ela, a informação e conscientização são fundamentais, ainda mais na temática ambiental, pois o mundo vive em constante modificação, e reitera: consciência ambiental é pensar no coletivo.


No entanto, o poder público precisa dar contrapartida para que essa conscientização se efetive. “Não adianta fazer publicidade por uma cidade mais limpa se não houver lixeiras espalhadas. Não adianta falar de separação de resíduos se não tiver coleta seletiva. É muito difícil cobrar ação da população e não ter um exemplo. Nossa população já sofre demais com a falta de saneamento básico, que também é fundamental para o meio ambiente e para a nossa saúde”, destaca a especialista.


Para Alessandra, cabe aos jornalistas mostrar os problemas, mas também propor soluções. “Por isso é importante o poder público possibilitar a criação de políticas públicas de educação ambiental respeitando a especificidade de cada município, e nós, como comunicadores, cobrar que essas ações sejam efetivadas”. O jornalismo não pode, portanto, ser refém de ações mercadológicas, empresariais e agir por interesse político, legitimando poderes e privilégios. É necessário separar o jornalismo ambiental de marketing verde ou de eco propagandas, pois são campos epistemológicos diferentes e têm conduta completamente destoante.


A jornalista reitera que o primeiro passo para fortalecer a cobertura do jornalismo ambiental é apoiar essa prática, denunciando os crimes ambientais ou divulgando bons exemplos. Além de engajar notícias nas redes sociais, apoiar a ciência e as organizações ambientais. “Mesmo com todas essas circunstâncias, acredito que a nova geração irá desenvolver um bom jornalismo ambiental, talvez não pelas mídias tradicionais, mas pelo jornalismo independente”, conclui.


MUITO ALÉM DO ACASO


Quando se fala em questões ambientais, a floresta é evidenciada, apontando questões que superficialmente aparentam afetar apenas a Amazônia e seus moradores. Contrariando o imaginário popular sobre as regiões geograficamente afastadas, questões relevantes foram levantadas em um recente artigo do New York Times que expõe as diferenças climáticas de diferentes bairros de Nova York. O pesquisador responsável pelo estudo, Timon McPhearson, é diretor do laboratório de sistemas urbanos da New School e passou os últimos dez anos estudando a correlação das variações de temperatura em bairros negros e pardos. Para Timon, o calor da cidade é distribuído de maneira desigual, refletindo questões sociais de raça, renda, arborização e acesso ao ar condicionado, denunciando décadas de desinvestimento racista.


Nos bairros em que a escassez de cobertura arbórea se faz presente, são criadas as chamadas ilhas de calor urbanas, que pioram a qualidade do ar e da água, fato que pode ser associado à queda na qualidade de vida dos locais. De acordo com o estudo, a incidência desse fenômeno se prolifera em bairros que apresentam altas taxas de obesidade, asma e doenças cardiovasculares, agravando a saúde de uma parcela já prejudicada da população. O caso que motivou a pesquisa aconteceu quando constataram que no quarteirão arborizado da West 94th Street, próximo ao Central Park, bairro nobre de Manhattan, a temperatura da calçada marcava 28°C. No mesmo dia, em outro lado da cidade, East Harlem, um dos bairros periféricos atingia 46°C, totalizando 18°C de diferença. Se quiser catalogar a desigualdade em NY, basta contar as árvores ou a falta delas.


McPhearson explica que o fenômeno em Nova York teve seu início em 1930, quando a Home Owners Loan Corporation do governo federal estadunidense estabeleceu que bairros predominantemente afro-americanos deveriam ser desqualificados para empréstimos habitacionais. Estas localidades, atualmente, possuem menos árvores e possuem parques mais degradados, que se traduzem como as principais causas da elevação de temperatura e dos altos níveis de poluição atmosférica. O fenômeno é identificado como “racismo ambiental” e encontra raízes também no Brasil.


A Fiocruz, desde 2010, compartilha o Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, que se propõe ao levantamento de violências e disputas ambientais no país. De acordo com o projeto, até o primeiro trimestre de 2022 haviam sido contabilizados 615 conflitos, que corroboram para a evidenciação do racismo ambiental, uma vez que 460 destes casos envolvem a luta por direitos de povos originários, quilombolas, ribeirinhos e comunidades urbanas. Diante desse cenário, viralizou em março de 2023 uma imagem da capital do país que exemplifica visualmente como comunidades vulnerabilizadas são afastadas do planejamento ambiental brasileiro. O debate, a partir deste momento, é uma denúncia da desigualdade.


Legenda: A esquerda, Sol Nascente, a maior favela do Brasil. A direita, Lago Sul, uma das regiões mais ricas de Brasília — Foto: Raphael Sebba, reprodução: Twitter.

A progressão acadêmica positiva, citada por Patrícia Kolling, também se estende para os eventos relacionados à comunicação no norte do país. Em novembro de 2025, acontecerá a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30) em Belém. O evento, conhecido como o mais importante encontro sobre mudanças climáticas do planeta, já foi realizado em diversos países e acontecerá pela primeira vez no Brasil. Para o presidente Luiz Inácio, não basta apenas que a Amazônia seja debatida em conferências mundo a fora, é necessário que se conheça a realidade desses estados e afirma no seu canal no Youtube: “eu já participei de COP no Egito, em Paris, em Copenhague e o pessoal só fala da Amazônia, só fala da Amazônia. E eu dizia assim: "por que, então, não fazer a COP em um estado da Amazônia para vocês conhecerem o que é a Amazônia?”.


Com a realização do evento, a perspectiva é que a grande mídia disponibilize mais espaço para questões ambientais, trabalhando no centro do desenvolvimento ambiental: a base. É necessário que as crianças tenham cada vez mais contato com o assunto, criando, então, adultos conscientes e engajados.

Há, ainda, o movimento de organizações e institutos socioambientais de atuação expressiva, que para além do ativismo e de promover debates sobre temáticas sobre o meio ambiente, mantém canais ativos de comunicação na internet, que realizam ações e atividades dentro de comunidades tradicionais, rurais, quilombolas e áreas protegidas. Esse é o caso do Instituto Mapinguari, organização socioambiental que existe desde 2015 no Amapá. Com 8 anos de atuação, apoia e executa atividades de defesa do meio ambiente, com o fortalecimento das comunidades tradicionais do estado.



Legenda: Representantes do Instituto Mapinguari no Diálogos Amazônicos. Reprodução: Instagram @imapinguari

Em 2022, o Instituto esteve presente na COP27 no Egito, e, em agosto de 2023, no Diálogos Amazônicos, encontro que aconteceu em Belém e debateu, principalmente, a discussão sobre a exploração de petróleo na região da foz do Amazonas. “A nossa participação no Diálogos Amazônicos foi no sentido de representação e de produção de debate a partir desse olhar de dentro do Amapá para fora. Nós, como organização majoritariamente composta por pessoas daqui do Amapá, conseguimos levar para o Diálogos diversos eixos temáticos, como o uso sustentável da terra, a temática das bacias hidrográficas na exploração do petróleo, conseguimos dialogar gênero e a transição energética dentro do estado” afirma Thalles Lima, jornalista e comunicador da ONG.


A organização, por meio do trabalho que realiza nas próprias comunidades, ajuda a preencher a lacuna existente na cobertura e debates de pautas socioambientais que vêm de dentro da Amazônia e tratam a perspectiva local. “É importante destacar que, nesse processo todo de fazer comunicação na Amazônia, é também disseminar os recursos e as ferramentas para que as comunidades possam produzir seu próprio material de comunicação, que possam estar a frente da atuação dentro da comunicação. Se não, vamos sempre ter relatos e narrativas da Amazônia escritas e criadas por pessoas que estão lá no sudeste. Então, é importante nós, que estamos aqui, possamos produzir comunicação falando do nosso próprio território”, afirma o jornalista.


Thalles também destaca que, no processo de comunicar temas ligados ao meio ambiente, deve existir a preocupação do jornalismo de pensar acessibilidade e abrangência na forma de comunicar e engajar as comunidades para que elas assumam o protagonismo no debate. “É importante que essa comunicação seja num âmbito muito mais comunitário e acessível, para regiões que a gente sabe que o acesso à internet é precário e a comunicação é difícil. Entender de que forma o meio ambiente está relacionado com a nossa vida mesmo morando na área urbana e, a partir disso, produzir produtos comunicativos atrelados à ideia de empoderamento da sociedade que vive na Amazônia”, finaliza.

Legenda: Card com lista de jornalistas ambientais para acompanhar. Arte: Flávia Coimbra.

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